"Nhô dotô" de colarinho branco: peço um pouco de sua atenção, por força da necessidade, me trouxeram pra cidade grande, pra fugir da miséria e da fome, "que inda" me corta o coração. Lembro de meu pai "inda" moço, minha "maizinha" era só ansiedade, e chamando filho por filho, entristeceu "inté" nosso gato, seu olhar se perdia no tempo; imaginando a tal nova cidade. "Nhô dotô" de colarinho branco, fico aperreado só de lembrar, nossa família de mala e cuia, misturada a outros retirantes, na carroçaria de um caminhão, que na estrada parecia voar. Chegando à cidade de pedra, “parecia que nóis era bicho", muita gente olhava "encafifada", "nóis era coisa do outro mundo”, "nóis era motivo de risadas", "parecia que nóis era lixo". "Nhô dotô" de colarinho branco: "vimo" gente andar que nem vento, de ma letinha, paletó e gravata, gente deitada em baixo de pontes, criança jogada sem pai nem mãe, que cortava "inté" pensamento. Mulheres quase nuas acenavam, seres despidos jogados ao relento, mundo insano de arranha-céus, de monstro de ferro corredor, tempo fechado, olhos ardentes, uma estranha obra do invento. "Nhô dotô" de colarinho branco: meu pai se foi e aprendi um ditado, pouco estudei, mas não me lamento, tenho Deus sempre que preciso, quem tem Deus não fica perdido, o único que ensina a ser honrado. Muita coisa "inda" quero aprender, dizer pros meus como foi duro chegar, se valorizar na própria existência, desprezar os males que nos pelejam, dizer sim para o bem que nos atina, não ser mais um pra "nóis lamentar". "Nhô dotô" de colarinho branco: "inté" pensei em desistir de lutar, mas batalhei feito burro de carga, eu só queria um futuro melhor, desafiei toda a selva de pedra, pra esta estória poder lhe contar. Hoje não é mais que nem a ntes, ser obrigado a deixar seu lugar, enfrentando os obstáculos da vida, sem poder nem pensar numa volta, assim mesmo "inda" tenho alegria, mesmo assim "inda" posso sonhar.
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